Ela nunca havia ficado tanto tempo sozinha. Desde quando se entendia por gente sempre esteve rodeada de pessoas, interesseiras, ou não, sempre foi o centro de todas as atenções. Seus olhos em um tom de verde acinzentados, a boca levemente vermelha, o cabelo liso caindo pelos ombros, loiro. O olhar arrogante agora se prendia no horizonte. Fugiu de casa. Não tinha motivo, não tinha mais vida. Simplesmente fugiu. Levava consigo apenas uma bolsa, e nela todas as histórias que ela até então havia vivido.
Sentou-se num campo amarelado pelo outono, abriu a bolsa, e viu dentro dela, jogado em um canto, todo amassado, um papel de bala. Pegou-o em suas mãos, levou para perto do rosto, imaginou o aroma daquela primeira bala, em um dia quente de verão, quase cinco anos antes. Quando ela, em uma festa, se aproximou de um garoto, e sussurrou-lhe no ouvido o quanto gostava dele. Ele virou para ela, e sorri, lhe entregou uma bala, e iria partir, sem dizer mais nada. Ela já sem mais esperanças, quando no fim da festa, ele se aproxima novamente, e diz para ela, que aquela foi uma bala, e agora iria o presente. Beijou-a, com todas as suas forças. Hoje, ao fechar os olhos e segurar o papel da bala nas mãos, ela ainda sente o gosto dos lábios do garoto, o sabor da bala. Sente a brisa fresca que soprava seu cabelo, a mão do garoto em sua nuca. A pressão no estômago? As borboletas? Que emoção foi seu primeiro beijo…
Mas estas borboletas não se comparariam a outras. Ainda existia, ela pensou que não, uma cartinha escrita numa letra um pouco caprichada, numa caneta preta falha, em um pedaço de guardanapo amarrotado. Ela sorria, bobamente, ao ler, cada uma daquelas palavras. “Oi… Não sou muito bom com esse negócio de sentimentos… Mas… Eu te amo, tá?”. E foi assim que ela sentiu não apenas borboletas, mas mariposas também em seu estomago. Ela segurou a carta no coração, fechou os olhos e viu o rosto daquele garoto de quinze anos, uma sala a frente dela, cabelo escuro, caindo-lhe sobre os olhos castanhos, pequenas sardas na bochecha. Ela ria bobamente lembrando-se da cena. O seu primeiro namorado, o primeiro garoto que dissera que a amava. E assim ela dobrou, cuidadosamente, a cartinha, e voltou a guardá-la na bolsa.
Ao continuar remexendo na bolsa espetou o dedo em uma rosa de plástico. Ah, como essa rosa tinha uma história linda. Levantou-a frente aos olhos, ainda brilhava, como na noite que recebera. Seu primeiro, e único namorado, havia sido seu príncipe encantado da valsa de quinze anos. Lembrava-se da cena com clareza, a desculpa que ele iria viajar com os pais, e de repente a musica dos dois toca, ele surge no meio da multidão com um buquê de rosas lindas, com o microfone anuncia que a ama. Ela sorri abobadamente. E ele diz a ela: “Eu te amarei até a última dessas rosas morrer.”. Todos ficaram espantados com uma afirmação tão fraca, assim, todos sabem que rosas não duram para sempre. Mal sabiam eles que lá haveria uma que iria. Eles deram as mãos, e valsaram, pela noite, sob o luar clamo, as estrelas cintilavam no horizonte. O coração da garota parecia que iria parar, as lágrimas caíam lhe sobre as mãos. Ela fechou a mão sobre a rosa, guardou-a na bolsa, mas antes tocou-a levemente com os lábios. O gesto simples fazia menção ao que ele fez assim que se despediram aquela noite. Ao contrário de todos, um simples beijo na testa, e ela estava completamente apaixonada. E ainda hoje estava…
Ela não sabia direito o que mais poderia achar naquela bolsa. Havia muito que ela tivera arrumado a bolsa, agora já não sabia o que esperar. Pegou mais um objeto, e desta vez o colocou no dedo. Era um lindo anel, prata, sem mais detalhes, apenas um anel, com uma coisa mínima escrita nele, na parte interior. “Minha.” E então, mais uma vez, o choque das lembranças foi terrível. Sua mente voou, para uma noite dois anos antes, pouco depois do seu aniversário de quinze anos. A lua no céu brilhava cheia, amarelada. As estrelas clareavam um pouco mais a noite. Ela sorria abobadamente, deitada na cama olhando para o céu, com seu namorado do lado. Eles não se falavam, aquela deveria ser a noite deles. Ele segurou sua mão, beijou sua testa, e começou a descer lentamente. Encostou os lábios suavemente nos dela, acariciando a nuca com a mão esquerda. Intensificou o beijo, passando a mão agora pelo resto do corpo, ela se levando, arranhou as costas dele. Ele se divertia, mordiscou o lábio dela, enquanto tirava a blusa, jogava para o lado e beijava o pescoço. A mão da cintura foi para os seios, que já não tinham mais a proteção do sutiã, jogado para o lado da blusa. Ele deliciou-se neles. Beijou-os, e apertou. Ela tirou a camiseta dele, rasgando-a inteira com as unhas, e fazendo o mesmo agora com as costas dele. Ele sorria. Tirou a calça jeans dela, e depois disso a lembrança começou a ficar cada vez mais intensa, ela sentindo os arrepios, a vontade, o desejo de tê-lo consigo. Mas nada agora adiantaria, mesmo que eles tivesse se amado aquela vez, e muitas outras depois, agora ela estava sozinha.
Eis que lá no fundo da bolsa, um cheiro de gás, o isqueiro que ela usou na primeira vez que fumou, quando foi para uma festa, escondida de seu pai. O isqueiro (bic) rosa, agora vazava. O cheiro a fez lembrar-se daquela vez, anos atrás, logo depois da primeira vez com seu namorado, era uma festa comum, ou então assim ela esperava que seria. Ao chegar se deparou com muitas de suas amigas, e alguns de seus amigos, todos fumando e bebendo. E assim como se lembrou com o isqueiro, lembrou-se com um baralho, ali do lado, jogado num canto, quando jogou sueco, na mesma festa… Ela nunca havia bebido ou fumado, e por pressão dos amigos, acabou entrando na brincadeira, como nunca havia jogado, foi uma presa fácil, e acabou se embebedando, e com isso os cigarros vieram, e ela enlouqueceu-se com a bebida, dançou em cima da mesa, tentou fazer strip, e jurava que não se lembrava de nada. O namorado chegou bem na hora, recolheu-a de cima da mesa, levou-a até o carro do pai, e lá ela dormiu até o dia amanhecer. O namorado cuidou dela, e ela já não tinha mais essa proteção.
A proteção que ela sentia quando estava com ele foi passada para um canivete que ele deu para ela, logo depois de salvá-la de uma confusão em um barzinho, agora já com dezessete anos, no começo do ano, ela saiu com as amigas para beber, enchendo a cara, saiu do bar, e ligou para o namorado, e esperou-o na porta, um homem, também bêbado, se aproximou, a agarrou e levou-a para um canto, e lá tentou estuprá-la. Ela sem saber como, se afastou e saiu correndo, nisso o namorado, mais uma vez, chegou, só que quase tarde de mais, tirou o canivete, abriu e esfaqueou o estômago do bêbado. E assim a levou para casa, entregou para ela o canivete. E disse que sempre que precisasse se defender, mesmo ele estando longe, o canivete ajudará.
Mas não foi com ele que ela atacou o próprio namorado na última briga deles, o porta-retrato, quebrado, agora no fundo da bolsa, um fundo falso, que ela havia feito para esconder o dinheiro. Ela arremessou o porta-retratos em direção ao namorado, tudo por que ele não queria mais levá-la a um show, que ele sabia que seria problemático. Para ela foi a gota, terminou o namoro, saiu de rompante e partiu sem rumo. O porta-retrato quebrado simbolizava o fim daquilo que ela teve, aquilo que ela chamou de vida.
A mão escorregou para longe do porta-retratos que mesmo quebrado ainda tinha a foto do feliz casal, até então. Caiu sobre o anel, do anel foi para a rosa de plástico, e a vontade de beijá-lo, de tê-lo, foi mais forte. Ela levantou-se, pegou o celular, uma última vez, e ligou, a voz era sussurrada, chorosa, quase um lamento:
- Alô?
- Vem me buscar?
- Por que ligou agora?
- Por que entendi que não vivo mais sem você!
- E se eu não quiser mais?
- Eu sei que não vai me deixar sozinha!
- E se eu não te amar mais?
- Pelo menos me defenderia.
- E se eu desligar?
- Saberei que está vindo pra cá!
- Como tem tanta certeza?
- Se eu não te esqueci, duvido que você também tenha feito…
O telefone ficou mudo, então a respiração dele voltou.
- Estou com as chaves do carro na mão, onde você tá?
- No mesmo lugar que nos conhecemos…
Então ele saiu de casa, pegou o carro, e partiu para aquele mesmo lugar. Ao chegar lá viu a garota sentada, num banco, ele sorriu, passou por ela e sentou-se ao seu lado. Segurava nas mãos o mesmo anel que ela usava no dedo, e estava usando um boné preto, com um pequeno detalhe rosa, um presente que ela havia dado a ele.
Ela olhou para aquilo e se lembrou instantaneamente de quando comprou pra ele. Ele tinha perdido o emprego, amou o boné e não podia comprar, ela foi à loja no dia seguinte, comprou e voltou para dar a ele. Ele sorriu e perguntou apenas “como?”, e ela respondeu: “eu te amo…”.
Eis que ele pega na mão dela, leva-a até o carro, ela entra no banco do carona, e ele senta-se no banco do motorista, ela chorando de tristeza e felicidade, e ele sorrindo, abobadamente, por ter recuperado a garota que tanto amava.
Autor Desconhecido
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